Espiritualidade? Para quê? O que é saúde para você?
Segundo a visão antroposófica, disseminada por Rudolf Steiner, o homem existe através do corpo físico, do corpo vital, do corpo astral (alma) e do Eu (espírito). O conceito de saúde englobaesses quatro elementos e a perda do equilíbrio entre eles seria percebida como doença. Há um grande interesse em descobrir o que as práticas espirituais e religiosas seculares tem a ver com o processo de adoecimento e com o equilíbrio dos diversos aspectos do nosso ser.
Somente o corpo físico pode ser notado pelos nossos sentidos.
O corpo vital seria, essencialmente, a substância viva. Uma estrutura complexa tende a se desintegrar se não for permeada com a vida. Por exemplo, ao morrer, o corpo humano sofre decomposição diante da falta da vitalidade e dos processos funcionais organizados e fisiológicos.
O corpo astral (alma) seria responsável pelos instintos, pela sensibilidade e pela empatia. Domina o corpo vital e permite o desenvolvimento de relações e a evolução, mas, quando se desgasta excessivamente, permite o surgimento de ansiedade, hipersensibilidade e hipertensão arterial, dentre outros problemas.
Já a dimensão do Eu deveria dominar a nossa alma, os nossos instintos, para o desenvolvimento da consciência, do pensamento e consequentemente da autoeducação, do autocontrole. O Eu também dá a força para não ficar esperando passivamente que a vida venha à nós para vivermos. É a riqueza em meio a pobreza, o interesse pelo próximo, a esperança. É dele que surgem as forças sanadoras e de superação.
Como fortalecer o Eu e manter o equilíbrio entre as quatro dimensões do ser para manter a boa saúde? O primeiro passo é conhecer os elementos relacionados à saúde. Nesse sentido, uma frase de Dalai Lama mostra como nossas escolhas refletem diretamente em nossa saúde: “Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido.”.
Das quatro dimensões descritas acima, qual o papel do dinheiro? E do sucesso? Nenhuma delas pode predominar. Cuidar de si mesmo e ter saúde depende de um processo de ampliação da consciência e compreensão de si. A espiritualidade auxilia nessa compreensão, principalmente do Eu.
A busca espiritual tem diversas formas, sendo a religião uma delas. Esta é um caminho, um auxílio, destinado a um grupo, com código de condutas, conjunto de crenças e rituais, formado por instituições ou organizações, que ajustam um modo de vida. Já a espiritualidade é o objetivo dessa busca, sendo uma jornada pessoal que contém elementos comuns a todas as religiões, como amor, compaixão e um estado além dos sentidos. Ela não implica necessariamente na fé em uma divindade especifica, visto que a palavra espírito não se refere especificamente a divindade, mas a capacidade de autoconsciência, de fazer uma reflexão sobre si mesmo e de encontrar um sentido para a vida.
Ciência e espiritualidade
Então, quais as evidencias de que espiritualidade e religiosidade têm impacto sobre a saúde?
Em uma revisão sistemática de pesquisas sobre religião, espiritualidade e depressão, Koenig e colaboradores, em 2001, relataram preponderância de uma relação inversa entre religião ou espiritualidade e depressão. Neeleman e Lewis, em 1999, encontraram uma menor taxa de suicídio em comunidades religiosas em relação a países em que as crenças religiosas não são ativamente promovidas pelo Estado. Van Tubergen e colaboradores, em 2005, também observaram que a influência protetora de grupos religiosos afeta a comunidade como um todo e não apenas membros de afiliações religiosas em particular.
No livro How God changes your brain, Newberg relata que práticas como meditação, yoga e oração têm um efeito benéfico no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, sentimentos e humor. Durante essas práticas, há diminuição da atividade em algumas regiões do cérebro (parietais) e ativação de outras (tálamo e o hipotálamo), com alteração do estado hormonal e do sistema nervoso autônomo, redução da pressão arterial e da frequência cardíaca e melhora de sintomas de ansiedade e depressão.
Interessantemente, um estudo italiano em 2001 mostrou forte relação entre a recitação do rosário e de mantras de yoga com diminuição de fatores que favorecem infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca, sugerindo que o rosário pode ser encarado como uma prática de saúde, além de uma prática religiosa. Já em Israel, outro estudo apontou que a oração de intercessão, à distância, para um grupo de pacientes, apresentou associação a estadia mais curta no hospital e menor duração da febre em pacientes com uma infecção da corrente sanguínea.
Do ponto de vista cognitivo, Newberg e colaboradores realizaram estudo com a prática de Kirtan Kriya em idosos com perda de memória leve a moderada. Os resultados mostraram que participantes de um programa de meditação com duração de oito semanas experimentaram melhora de aproximadamente 10 a 15% na memória e alteração concomitante no cérebro, particularmente nos lobos frontais, responsáveis pela concentração.
Encontramos também benefícios da prática de orar e meditar com o estudo do nosso DNA. Na universidade de Duke, nos Estados Unidos, onde há um departamento destinado exclusivamente ao estudo de espiritualidade e saúde, pesquisadores constataram mudanças na expressão genética relacionadas à prática de meditação ou oração, com diminuição do envelhecimento celular.
Munidos de todas essas informações, podemos constatar o grande benefício da espiritualidade em promover a saúde e evitar o adoecimento. No entanto, não há uma fórmula básica que possa ser generalizada para todos. Cada pessoa precisa explorar e identificar as práticas que funcionam melhor para si. Em certa medida, cada pessoa precisa fazer um balanço de como é para que encontre a melhor forma de exercer sua espiritualidade e atingir o equilíbrio entre as suas dimensões psicológica, espiritual e biológica.
Dra. Arlety M. C. Casale
Referências
1. Newberg, A.B., et al., How God Changes your brain. Ballantine Books, 2010.
2. http://www.dukespiritualityandhealth.org/
3. Gardin, N. E., Fourfoldness: the four organizations that constitute the human being according to anthroposophy. Arte Médica Ampliada, 2015. 35(3).
4. Norko, M. A., et al., Can Religion Protect Against Suicide? The Journal of Nervous and Mental Disease, 2016. 205(1): p9-14.
5. Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde. Por que pesquisar a espiritualidade na saúde? URL: http://www2.unifesp.br/centros/cehfi/portal/index.php.
6. Yaden, D. B. et al., The Language of Ineffability: Linguistic Analysis of Mystical Experiences. Psychology of Religion and Spirituality, 2016. 8(3): p244-54.
7. Newberg, A. B., The Neurotheology Link: An Intersection Between Spirituality and Health. Alternative and Complementary Therapies, 2015. 21(1): p13-7.
8. Bernardi, L., et al., Effect of rosary prayer and yoga mantras on autonomic cardiovascular rhythms: comparative study. British Medical Journal, 2001.
9. Leibovici L., Effects of remote, retroactive intercessory prayer on outcomes in patients with bloodstream infection: randomised controlled trial. British Medical Journal, 2001.
10. Koenig, H. G., Religion, Spirituality, and Health: The Research and Clinical Implications. International Scholarly Research Network Psychiatry, 2012.
Dra. Arlety M. C. Casale, CRM 152.957, é médica formada pela Universidade Federal de São Carlos, com residência médica em Clínica Médica e Geriatria(em andamento) pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Atua como médica assistente do Departamento de Emergências Clínicas do HC-FMUSP e médica hospitalista no Hospital Alemão Oswaldo Cruz.