Problemas de memória: quando se preocupar? Como deve ser a avaliação inicial?

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A preocupação com a perda de memória e com o desenvolvimento da temida doença de Alzheimer é um motivo frequente de consulta ao Geriatra. Procurarei nesse texto esclarecer as dúvidas mais frequentes sobre o assunto.

A memória pode ser definida como a habilidade de aprender e recordar informações a respeito do mundo ao redor, das próprias experiências e da própria identidade. Ela depende dos cinco sentidos, através dos quais entramos em contato com o mundo ao nosso redor, e tem como principais etapas atenção, decodificação, armazenamento e evocação. A atenção é a habilidade de responder discretamente frente a um estímulo. A decodificação é a análise do material a ser lembrado. O armazenamento é uma etapa de consolidação em que experiências e informações novas se relacionam com aquelas de aquisição mais antiga. Por fim, a evocação pode ser descrita como a procura ou ativação de traços existentes na memória.

O primeiro passo quando há suspeita de perda de memória é uma avaliação médica aprofundada com um especialista com experiência na área. Geriatras, Neurologistas e Psiquiatras habitualmente estão capacitados a avaliar, diagnosticar e tratar transtornos da cognição. Na etapa inicial, são detalhadas as características do esquecimento, como tipo de informação esquecida, frequência do esquecimento, tendência de piora com o tempo e se o início foi gradual ou abrupto. Também são obtidas informações sobre histórico médico, uso de medicamentos, hábitos de vida, história familiar e rede de suporte social. Em seguida, são utilizados instrumentos, escalas e/ ou entrevistas padronizados para avaliação da funcionalidade, que abrange a autonomia e a independência para as atividades do dia a dia, e dos diferentes domínios da cognição, que incluem habilidade de adquirir e lembrar novas informações, raciocínio, manejo de tarefas complexas, julgamento, linguagem, habilidades visuoespaciais, personalidade e comportamento.

Ao final do atendimento inicial, o médico poderá concluir não haver alteração na memória, tratar-se de declínio da memória relacionado ao envelhecimento normal ou mesmo haver um problema. Habitualmente, o envelhecimento normal pode estar associado a diminuição da capacidade de armazenamento e processamento simultâneos de informações, dificuldade para dividir a atenção em tarefas complexas simultâneas, dificuldade para ignorar estímulos irrelevantes, menor velocidade de processamento de informações e menor habilidade de evocar lembranças sem pistas. Por outro lado, costumam estar preservados a capacidade de repetir frases ou números, lembrar de fatos históricos e saber como fazer as coisas. Já comprometimento das habilidades de trabalho, dificuldade para executar tarefas familiares, problemas com a linguagem, desorientação no tempo e/ou no espaço, julgamento precário ou reduzido, dificuldades com problemas abstratos, dificuldade para encontrar objetos fora do lugar ou guardar objetos no lugar correto, mudanças no humor e no comportamento, mudanças de personalidade e perda de iniciativa são sinais de alarme para o envelhecimento patológico da cognição.

O problema de memória pode ser categorizado como comprometimento cognitivo leve, quando não há impacto significativo para a participação nas atividades de vida diária, e demência, quando a capacidade de funcionar de maneira independente no dia a dia é afetada. Diante do estigma relacionado à palavra demência, novas classificações a substituíram pelo termo transtorno neurocognitivo maior. Nessa etapa, é fundamental a distinção com depressão e delirium. A depressão é uma causa frequente de queixa de memória e muitas vezes pode ser necessário o seu tratamento antes de confirmar o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve. O indivíduo deprimido pode apresentar lentificação psicomotora, pouco esforço para responder as perguntas quando sua memória é avaliada e prejuízo importante da atenção. Com frequência, o indivíduo com depressão procura atendimento por iniciativa própria para queixar-se de esquecimento, enquanto que o indivíduo com demência habitualmente é levado por familiares e se esforça para responder as perguntas, apesar de geralmente responde-las de forma incorreta. Já o delirium é caracterizado por início abrupto, em horas a dias, flutuação do nível de consciência e dificuldade de manter a concentração e geralmente é causado por condição médica, intoxicação, abstinência ou efeito adverso de medicamento.

Estabelecido o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve ou demência, o próximo passo é a distinção entre doenças neurodegenerativas primárias, ou seja, aquelas relacionadas ao envelhecimento patológico do cérebro e que cursam com comprometimento das funções cognitivas, como a doença de Alzheimer, e causas secundárias de demência, como doença vascular cerebral, doenças infecciosas, hidrocefalias, epilepsia, distúrbios metabólicos, intoxicações, carências nutricionais, neoplasias e traumatismo craniano. Para tal, além da avaliação clínica completa com história e exame físico, são necessários exames complementares, cujo principal objetivo é a identificação de causas potencialmente reversíveis. Ao final de todas as etapas descritas, o médico estará apto a definir uma estratégia de tratamento.

As principais causas de demência, as modalidades de tratamento disponíveis e as medidas preventivas serão discutidos em textos subsequentes!

Referências

1.         Ensinar a lembrar / Gislaine Gil, Alexandre Leopold Busse. – São Paulo : Casa Leitura Médica, 2013.

2.         Clínica Médica, volume 1: atuação da clínica médica, sinais e sintomas de natureza sistêmica, medicina preventiva, saúde da mulher, envelhecimento e geriatria, medicina laboratorial na prática médica. – Barueri, SP: Manole, 2009.

3.         Clínica Médica, volume 6: doenças dos olhos, doenças dos ouvidos, nariz e garganta, neurologia, transtornos mentais. – Barueri, SP: Manole, 2009.

4.         Larson E. B., Evaluation of cognitive impairment and dementiaUpToDate, 2016.

Dr. Pedro Kallas Curiati é médico formado pela Faculdade de Medicina da USP, com residência médica em Clínica Médica e Geriatria no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Está cursando Doutorado na Faculdade de Medicina da USP. Possui Títulos de Especialista em Clínica Médica e Geriatria pela Faculdade de Medicina da USP. Membro do Corpo Clínico e do Núcleo Avançado de Geriatria do Hospital Sírio Libanês. Plantonista do Serviço de Pronto Atendimento Geriátrico Especializado (ProAGE) do Hospital Sírio Libanês. Atende em consultório no endereço que consta no rodapé deste site.

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