Uma projeção do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foi divulgada há cerca de um mês apontando que existem mais de 3 milhões de pessoas idosas no Brasil e que esse número pode chegar a 19 milhões em 2060. A alta é resultado da melhoria da expectativa de vida ao nascer do brasileiro, que era de 62,58 anos em 1980 e pode atingir 81,2 anos em 2060.
Contudo, viver muito não é sinônimo de viver bem. Apesar de muitos passarem pelos anos sem qualquer incapacidade ou limitação, mantendo uma boa saúde, outros apresentam más condições de vida devido a uma ou mais doenças.
É sabido que ocorrem modificações fisiológicas em todos os sistemas do corpo, com potencial impacto em estilo e qualidade de vida. Porém, envelhecimento e adoecimento não são sinônimos. Entender essa diferença é importante para saber o que esperar com o avanço da idade.
Neste artigo, será discutida a saúde do trato urinário, pois as alterações funcionais e anatômicas que acontecem neste sistema podem determinar forte impacto negativo na qualidade de vida, comprometendo o relacionamento familiar, afetivo e social. As principais condições observadas em faixas etárias mais avançadas são infecção urinária, hiperplasia da próstata, bexiga hipoativa ou hiperativa, incontinência urinária, cálculos nos rins e na bexiga, câncer de bexiga e doença renal crônica.
As mulheres experimentam problemas de saúde urinária relacionados à idade mais comumente do que os homens. Gravidez e parto (neste caso, o parto por via vaginal) podem desempenhar um grande papel, já que são fatores de risco para disfunções como incontinência urinária e queda (prolapso) de órgãos pélvicos, como a bexiga. Além disso, no momento em que as mulheres atingem a menopausa, seus níveis de estrogênio começam a cair e essa flutuação hormonal pode interferir diretamente na saúde do trato urinário. A uretra encurta e seu revestimento torna-se mais fino e delicado, facilitando o aparecimento de infecção urinária. Além disso, ocorre um afrouxamento das estruturas que contribuem para a continência urinária e a sustentação dos órgãos pélvicos, diminuindo a capacidade de realizarem suas funções de maneira apropriada.
Mesmo que as mulheres sejam mais suscetíveis a problemas do trato urinário, homens não estão imunes. No homem, a próstata tende a aumentar com o envelhecimento, bloqueando gradualmente o fluxo de urina. Se não tratado, o bloqueio pode causar retenção urinária e, possivelmente, danos aos rins. Além disso, a deterioração do controle do sistema nervoso central sobre a bexiga pode acontecer, com o surgimento de contrações involuntárias, alterações de sua sensibilidade e/ou dificuldade de esvaziamento, que poderão predispor ao surgimento de infecções urinárias, incontinência (por transbordamento da bexiga) e aumento da frequência das micções (inclusive à noite, durante o sono).
O falar e o andar, associados ao controle vesical e intestinal, são sinais de evolução de uma criança que está saindo da primeira infância. Costuma-se, entretanto, associar a falta de controle dos atos de urinar e de evacuar com aspectos relativos à imaturidade, infantilização, ou, pior, ao declínio e à perda de autonomia. Para muitos, a incontinência ainda possui conotações de maus hábitos de higiene e provoca mal-estar. Assim, idosos que sofrem desse distúrbio vivenciam problemas psicossociais, como perda da autoestima, isolamento social e embaraço. Por esse motivo, a incontinência urinária precisa ser prevenida e tratada.
A fisioterapia uroginecológica é uma especialidade que atua na prevenção e no tratamento conservador das disfunções urogenitais e anorretais apresentadas por adultos e crianças de ambos os sexos. O tratamento fisioterapêutico inclui todos os tratamentos não-cirúrgicos e não farmacológicos, incluindo treinamento do assoalho pélvico, biofeedback e mudanças comportamentais.
A terapia comportamental, em particular, é um método não invasivo de tratamento, com baixo risco, pouco dispendioso e que representa estratégia de tratamento efetiva na recuperação das funções fisiológicas, com melhora da qualidade de vida. Consiste em estimular modificações comportamentais, dentre as quais a redução da ingesta de bebidas cafeinadas, líquidos antes de dormir, frutas ácidas, achocolatados e refrigerantes. Adicionalmente, a regularização do hábito intestinal também é considerada peça fundamental para o tratamento conservador. A constipação pode contribuir para a piora da incontinência devido ao aumento da pressão do reto sobre a bexiga.
À terapia comportamental, podem ser associados o treinamento da bexiga e o fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico. Existem inúmeros tipos de treinamento com benefício comprovado, abrangendo desde exercícios de contração e relaxamento da musculatura do assoalho pélvico até técnicas com o uso de eletroestimulação, biofeedback e instrumentos como bolas.
Apesar das terapias disponíveis, cabe enfatizar que a prevenção deve ser sempre priorizada. Bons hábitos urinários podem prevenir o surgimento de problemas relacionados ao trato urinário. Por isso:
- Não segure a urina;
- Abandone o hábito de urinar “por prevenção”;
- Não fume;
- Mantenha um peso saudável;
- Aumente a sua mobilidade;
- Elimine irritantes da bexiga, como bebidas cafeinadas e os alimentos ácidos;
- Evite a desidratação;
- Tenha um banheiro acessível;
- Ajuste, com supervisão do seu médico, o horário de medicamentos como diuréticos para evitar sobrecarregar a bexiga à noite;
- Evite a retenção de líquidos elevando suas pernas algumas vezes ao dia ou usando meias elásticas;
- Pratique exercícios regularmente para suportar um peso saudável, reduzir a pressão arterial e reduzir o risco de outros problemas de saúde que podem afetar negativamente o sistema do trato urinário e a bexiga;
- Realize exercícios de Kegel para melhora dos músculos responsáveis pela continência urinária, fecal e de gases (orientados por uma fisioterapeuta especializada);
- Evite a constipação, pois pode gerar pressão desnecessária à bexiga;
Fisioterapeuta Camila Garcia de Carvalho
Referências
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Camila Garcia de Carvalho é fisioterapeuta formada pelo Centro Universitário São Camilo, com especialização em Uroginecologia, Obstetrícia e Sexualidade pela Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP) – Escola Paulista de Medicina (EPM) e aperfeiçoamento em Obstetrícia pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente atua como mestranda na área de Uroginecologia do Esporte na UNIFESP-EPM e em consultório particular na Avenida Brasil. Contato: 011 3027-1500.