Estudos realizados em diferentes países, inclusive em São Paulo, Brasil, demonstraram que cerca de 10% da população é acometida por depressão. Esse problema de saúde gera enormes perdas para seus portadores, suas famílias e também para a sociedade como um todo.
Depressão, frequentemente chamada de depressão maior ou depressão unipolar, é caracterizada por humor deprimido, falta de prazer ou de interesse para atividades cotidianas, perda de energia, insônia ou aumento de sono, ganho ou perda de peso, culpa excessiva (ou sentimentos de inutilidade) e pensamentos de morte ou suicidas. Tais sintomas devem ser persistentes e importantes a ponto de causar disfunção das atividades cotidianas. Além disso, a maioria dos pacientes com depressão se queixa ainda de sintomas cognitivos, como desatenção (ex: dificuldade de foco para atividades rotineiras), disfunção executiva (ex: prejuízo da capacidade de organização de tarefas) e perda de memória (ex: piora da capacidade de armazenar e relembrar eventos e informações). Sabemos que tais sintomas cognitivos são responsáveis por muitos dos problemas cotidianos pelos quais os pacientes com depressão passam, como perda de desempenho no estudo e/ou no trabalho. Infelizmente, eles são persistentes, assim como em geral são os demais sintomas depressivos, de maneira que provocam prejuízos duradouros. Ainda, o surgimento de dois ou mais episódios de depressão (cada um durando na maior parte das vezes ao menos vários meses) ao longo da vida é comum, o que demonstra mais uma vez a necessidade de diagnóstico e tratamento apropriados.
O diagnóstico da depressão é clínico, ou seja, é baseado nos sintomas apresentados pelo paciente e na observação do examinador, ainda que a realização de um pequeno número de exames complementares seja indicada na grande maioria dos casos para a exclusão de outros problemas de saúde, como o hipotireoidismo, que podem causar os sintomas apresentados pelo paciente. Nessa mesma linha, cada paciente deve ser avaliado quanto a presença de comorbidades (outros problemas de saúde que frequentemente ocorrem juntamente com depressão), como transtorno de uso de substância (ex: álcool, cocaína, crack, maconha), transtornos de ansiedade (ex: transtorno de pânico) e doenças neurológicas (ex: epilepsia). Ainda, todo paciente deve ser avaliado quanto a possibilidade de outro diagnóstico, que não depressão, ser o mais apropriado (ex: transtorno bipolar). É imprescindível que pacientes com depressão sejam avaliados quanto ao risco de suicídio, uma vez que medidas preventivas adaptadas a cada caso podem ser implementadas.
O tratamento da depressão deve, via de regra, ser abrangente e se adaptar às especificidades de cada paciente. Objetiva-se, em resumo, a remissão (melhora completa) dos sintomas depressivos e a prevenção do ressurgimento desses mesmos sintomas nos anos e décadas subsequentes. Ressaltam-se os seguintes aspectos:
- Medicamentos antidepressivos: em geral são seguros e com boa tolerabilidade (perfil de efeitos colaterais aceitável) mesmo para pacientes idosos e com outros problemas de saúde (cardíacos, renais, hepáticos, neurológicos). Infelizmente, não é possível, no momento, predizer a resposta de cada paciente diante de cada antidepressivo, de maneira que, com frequência, é necessário testar mais de uma medicação até que se obtenha o resultado desejado. Via de regra, é apropriado que a medicação seja mantida por 1 a 2 anos após um primeiro episódio depressivo tenha sido adequadamente remitido (melhora completa dos sintomas), visando a prevenção de piora futura.
- Psicoterapia: diversas formas de psicoterapia são consagradas na prática clínica há diversas décadas e mais recentemente mostrou-se que algumas delas não somente são importantes (frequentemente necessárias) para o adequado tratamento dos episódios depressivos, como também para a prevenção de novos episódios. Atualmente, o uso de psicoterapias de linhas cognitivo-comportamental e interpessoais tem um maior acúmulo de evidências para o tratamento de depressão.
- Higiene do sono: a regulação de sono é muitíssimo importante para quem esteve ou está deprimido. Dicas para que isso seja obtido podem ser encontradas neste site: https://www.sleepassociation.org/patients-general-public/insomnia/sleep-hygiene-tips/.
- Atividade física: sugere-se ainda que pacientes com depressão mantenham atividade física regular, o que é alinhado com evidências crescentes que descrevem os benefícios de tais hábitos.
- Meditação: nas últimas décadas houve acúmulo de evidências de que pacientes com diversos transtornos mentais, como depressão, se beneficiam de práticas de meditação. Assim como higiene do sono e atividade física, meditação deve ser utilizada como um tratamento adjuvante, e não substitutivo, ao mais consagrado na literatura médica (antidepressivos e psicoterapias).
- Neuromodulação: diversos estudos recentes têm demonstrado que o uso de estimulação magnética ou estimulação por corrente contínua podem trazer efeitos bastante satisfatórios em pacientes que não responderam ou que responderam parcialmente a outros tratamentos.
- Suspensão de uso de drogas: drogas de abuso lícitas (ex: álcool) ou ilícitas (ex: cocaína/crack, maconha) devem ter seu uso suspenso. Tais substâncias podem ser responsáveis pelo surgimento ou pela piora clínica de pacientes com depressão, e seu uso deve ser fortemente desencorajado. Ainda, é sempre apropriado lembrar que drogas de abuso prescritas (ex: benzodiazepínicos, como valium / diazepam, rivotril / clonazepam, lexotan / bromazepam e frontal / alprazolam) não são antidepressivos e podem provocar um curso clínico pior na medida em que causam dependência e declínio cognitivo.
Em resumo, infelizmente depressão é um transtorno frequente e debilitante. Entretanto, há tratamentos acessíveis e que não somente oferecem grandes benefícios aos pacientes como também são seguros mesmo para pessoas idosas e com múltiplos problemas de saúde. O tratamento deve ser precedido por uma avaliação clínica abrangente e é composto de diversas facetas, sendo as principais antidepressivos e psicoterapia.
Referências
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2. Lam R. W., et al., Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT). Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) clinical guidelines for the management of major depressive disorder in adults. III. Pharmacotherapy. Journal of Affective Disorders, 2009. 117 (Suppl 1): S26-43.
3. Parikh, S. V., et al., Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT). Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) clinical guidelines for the management of major depressive disorder in adults. II. Psychotherapy alone or in combination with antidepressant medication. Journal of Affective Disorders, 2009. 117 (Suppl 1): S15-25.
4. Ravindran, A. V. et al., Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT). Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) Clinical guidelines for the management of major depressive disorder in adults. V. Complementary and alternative medicine treatments. Journal of Affective Disorders, 2009. 117 (Suppl 1): S54-64.
Dr. Pedro Rosa, CRM 144.273, é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), com residência médica em psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, aonde também atuou na coordenação da residência médica como médico preceptor. Atua como pesquisador no Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria (LIM-21) da FMUSP e no Núcleo de Apoio à Pesquisa em Neurociência Aplicada (NAPNA) da USP, faz parte da equipe de Retaguarda de Psiquiatria do Hospital Israelita Albert Einstein e atende em consultório particular no bairro em Pinheiros. Contato: 011 973009464, pedrorosapsiquiatria@gmail.com.